"Na verdade, não são os acontecimentos que nos fazem sofrer.
Imagine-se andando por uma calçada com os braços carregados de pacotes e
alguém colide brutalmente com você, fazendo-o cair e esparramando seus
mantimentos. Quando você se levanta do meio de ovos quebrados, suco
espalhado pelo chão está pronto para gritar: “Idiota! O que há de errado
com você? Está cego?”
Mas, bem antes que tome fôlego para falar, você percebe que a pessoa
que colidiu com você é realmente cega. Ela também está estirada no meio
dos mantimentos espalhados e não consegue se levantar, pois sua bengala
está jogada no chão. A raiva pelo tombo passa na mesma hora.
Imediatamente seu coração é tomado por uma compaixão e pela demonstração
de simpatia e caridade. Você logo se oferece para ajudar a pessoa a se
levantar. Com certeza, pede desculpas e se preocupa em saber se a pessoa
se machucou, se precisa de cuidados.
Esse é um lido retrato de nossa vida. Quando percebemos claramente
que a fonte da desarmonia e da miséria no mundo é a ignorância a
respeito da dor e do problema do outro, podemos abrir a porta do coração
e permitir que a graça de Deus aconteça em nós e através de nós.
Uma
das maiores causas – se não a maior – de nosso sofrimento é a maneira
como enxergamos a vida e tudo aquilo que nos acontece. Na verdade, não
são os acontecimentos que nos fazem sofrer. Sofremos pela maneira como
olhamos para os acontecimentos. Todo ponto de vista é a vista a partir
de um ponto. Quando privilegiamos um ponto negativo, passamos a enxergar tudo com as lentes da negatividade. O pior não está nem tanto no olhar negativo, mas na concentração estragada, encardida do olhar.
Precisamos aprender a olhar a vida pela ótica de Deus. Para isso,
necessitamos de alguns exercícios contínuos de aprendizado do olhar:
— Olhar para si mesmo com paciência e generosidade. Ás vezes é mais
fácil ser generoso com os outros do que com a gente mesmo. Tem muita
coisa que gostaríamos de mudar em nós que só depende de nós, mas que
ainda não conseguimos. Paciência e perseverança.
— Olhar para Deus como amor que é. Deus é Pai, que ama com amor
infinito e incondicional. Precisamos treinar imaginar Deus sorrindo. A
Bíblia não tem medo de afirmar que Deus gosta de rir e sorrir.
— Olhar para as coisas dando-lhes o devido lugar. Nada nem ninguém
que esteja fora do coração humano é capaz de preenchê-lo. As coisas são
instrumentais que nos ajudam, mas não podem ser absolutizadas.
— Olhar com caridade para aqueles que nos machucam – caridade
suficiente para compreendermos que, como nós, são pessoas limitadas,
fracas, falhas, sujeitas aos dissabores da vida.
— Olhar com gratidão para as pessoas que nos amam, procurando
corresponder a elas. Saber-se amado é gota fundamental de cura, em
qualquer tempo, para qualquer idade.
— Olhar com humor: o humor é fundamental para o equilíbrio humano.
Ele nos dá a graça de tomarmos distância de nós mesmos e dos
acontecimentos. Ele nos permite colocar todas as coisas em perspectiva e
tirar o tom dramático dos acontecimentos. O humor ajuda a ver a vida
com olhos novos, com novos pontos de vista. O humor realça as incertezas
de nossa vida, mostrando-nos que ela não é previsível. O humor nos
ajuda a perceber que as coisas são relativas. Quem é muito sério acaba
se achando muito importante e por isso não gosta do humor, que põe em
risco a máscara, a couraça, a casca que reveste o balão do orgulho
prepotente. O humor ajuda a desinchar o balão, pois quebra a casca."
Autor: Padre Leo (1961-2007).
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